
Este mesmo passarinho, que há meses atrás havia feito um ninho na goiabeira do quintal, posto três ovos, que ali mesmo foram chocados. Vi aqueles passarinhos crescerem, tão de perto... E de novo, era estranho como a relação entre mim e aquele passarinho era tão intensa... Passava horas a fio admirando o canto e a vivacidade daquela coisinha tão pequena, e o modo como lhe dava com suas dificuldades, e isso me dava forças pra levar a vida da melhor forma possível, sempre de cabeça erguida.
Todas as noites eu deixava a janela aberta, e volta e meia esse mesmo passarinho entrava, pousava em minha cama e ficava ali um tempo, velando o meu sono. Fazia-me sempre uma carícia ao rosto, elevava consigo algum fiapo dos meus lençóis, como a livrar-me de um pedaço ruim de mim mesmo. E assim fazia todos os dias, até que criança malvada jogasse uma pedra, que acertou uma goiaba, e o ninho logo acima dela.
Passarinho tinha ido embora, e não mais eu podia admirar o seu canto, nem admira-lo em meu canto, como já dizia o cantor. Não mais um “bom dia” tão carinhoso eu receberia todas as manhãs. Ninguém mais velaria o meu sono à noite, nem puxaria insistentemente meus lençóis. Saudade... O que é bom sempre deixa saudade... Até que ele voltasse, sem ninho, sem canto, apenas para uma breve visita.
Por do sol, e ali estávamos eu e o passarinho, admirando o verde escasso, as casas amontoadas umas sobre as outras e o modo como cada um vivia a sua vida, recluso em si mesmo, dia após dia. Eu, esperando aquele mesmo canto de antes, e ele, ainda sem coragem pra me falar aquilo a que tinha se proposto. Pela primeira vez, eu tomei o passarinho em minhas mãos, fiz a mesma carícia que me fazia ao rosto, dei-lhe um beijo e lancei-o gentilmente ao ar. Lançou vôo, pra não muito longe. Ficou ainda algum tempo me observando, cantou algo que mal dava pra se ouvir e foi embora. Passei alguns fins de tarde observando aquela varanda, meio que esperando aquela visita tão desejada, mas ele não vinha, e não dava sinais de quem voltaria tão cedo.
Tratei de continuar a viver, talvez não como quando o passarinho me fazia companhia, mas ao menos eu tentava. Devia isso a ele... Todas as manhãs eu levantava, abria a janela, e olhando para onde o ninho estava, eu dizia ao nada: ”bom dia”. Todas as noites, antes de me recolher, eu abria a janela, e, novamente, olhando para onde o ninho estava, eu dizia “boa noite”, mesmo tendo a certeza de que ninguém me ouviria. E assim passaram-se meses, até que notei um outro ninho, naquele mesmo lugar de antes... Talvez ele me permita tomar-lhe em minhas mãos de novo...