16 dezembro 2007

Passarinho Verde

Uma vez um passarinho verde pousou na varanda de minha casa. Ficou ali, parado, como se quisesse dizer algo e coragem lhe faltasse. Olhava-me com um jeito tenro, mas com um pesar nos olhos, que parecia mal se mexerem. E eu ali, embasbacado com o quão humano era o comportamento daquele passarinho... Saí da minha sala, fui me aproximando devagar, como quem não quisesse afugentá-lo, até que estava lado a lado com ele, admirando a paisagem, como dois bons amigos de longa data. Lá eu estava, esperando ouvir um belo canto matinal, e ele, como quem tivesse vergonha de falar alguma coisa...

Este mesmo passarinho, que há meses atrás havia feito um ninho na goiabeira do quintal, posto três ovos, que ali mesmo foram chocados. Vi aqueles passarinhos crescerem, tão de perto... E de novo, era estranho como a relação entre mim e aquele passarinho era tão intensa... Passava horas a fio admirando o canto e a vivacidade daquela coisinha tão pequena, e o modo como lhe dava com suas dificuldades, e isso me dava forças pra levar a vida da melhor forma possível, sempre de cabeça erguida.

Todas as noites eu deixava a janela aberta, e volta e meia esse mesmo passarinho entrava, pousava em minha cama e ficava ali um tempo, velando o meu sono. Fazia-me sempre uma carícia ao rosto, elevava consigo algum fiapo dos meus lençóis, como a livrar-me de um pedaço ruim de mim mesmo. E assim fazia todos os dias, até que criança malvada jogasse uma pedra, que acertou uma goiaba, e o ninho logo acima dela.

Passarinho tinha ido embora, e não mais eu podia admirar o seu canto, nem admira-lo em meu canto, como já dizia o cantor. Não mais um “bom dia” tão carinhoso eu receberia todas as manhãs. Ninguém mais velaria o meu sono à noite, nem puxaria insistentemente meus lençóis. Saudade... O que é bom sempre deixa saudade... Até que ele voltasse, sem ninho, sem canto, apenas para uma breve visita.

Por do sol, e ali estávamos eu e o passarinho, admirando o verde escasso, as casas amontoadas umas sobre as outras e o modo como cada um vivia a sua vida, recluso em si mesmo, dia após dia. Eu, esperando aquele mesmo canto de antes, e ele, ainda sem coragem pra me falar aquilo a que tinha se proposto. Pela primeira vez, eu tomei o passarinho em minhas mãos, fiz a mesma carícia que me fazia ao rosto, dei-lhe um beijo e lancei-o gentilmente ao ar. Lançou vôo, pra não muito longe. Ficou ainda algum tempo me observando, cantou algo que mal dava pra se ouvir e foi embora. Passei alguns fins de tarde observando aquela varanda, meio que esperando aquela visita tão desejada, mas ele não vinha, e não dava sinais de quem voltaria tão cedo.

Tratei de continuar a viver, talvez não como quando o passarinho me fazia companhia, mas ao menos eu tentava. Devia isso a ele... Todas as manhãs eu levantava, abria a janela, e olhando para onde o ninho estava, eu dizia ao nada: ”bom dia”. Todas as noites, antes de me recolher, eu abria a janela, e, novamente, olhando para onde o ninho estava, eu dizia “boa noite”, mesmo tendo a certeza de que ninguém me ouviria. E assim passaram-se meses, até que notei um outro ninho, naquele mesmo lugar de antes... Talvez ele me permita tomar-lhe em minhas mãos de novo...

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